O Ensino Híbrido solicita a organização de Repositórios Digitais

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Por: Lilian Neves

A tecnologia educacional trouxe a escola a um novo tempo, de ensino híbrido, de aulas digitais, de avaliações com correções automáticas, mas junto a tudo isso vem uma questão, tão antiga quanto a produção de informações: o armazenamento e gestão dos dados escolares. Há quem irá responder que já possui nuvem de dados, servidores e backup de informações, pastas e mais pastas em arquivos de texto com todos os documentos de um pacote office produzidos pelos docentes em seus planejamentos, projetos, avaliações. Contudo, será que isso possibilita a gestão de dados escolares? Será que desta maneira é possível acessar e organizar pesquisas de acesso a todos os interessados nesses grandes volumes de conteúdos produzidos? Antecipamos resposta a essa questão é não. Guardar documentos não promove gestão inteligente de dados educacionais!

O ensino remoto foi uma modalidade educacional decorrente do distanciamento provocado pelas medidas de biossegurança da COVID19. Essa pandemia encerrou por longo período as atividades presenciais da escola e a tecnologia que, antes, era promotora de diversificação de práticas e metodologias passou a assumir com preponderância e quase exclusividade a mediação promovida pelos educadores aos seus estudantes. Houve uma reinvenção da escola em poucos dias. Professores se tornaram autores de videoaulas, games e podcasts, aprenderam a usar plataformas de interação midiática e cadastraram muitas questões de exercícios e provas. A partir de todo esse esforço empreendido pelos profissionais e investimento financeiro, por parte da escola, em plataformas e formação da comunidade escolar – professores, famílias, estudantes, técnicos – é possível ampliar essa pergunta inicial: o que se aproveitará de tudo o que foi produzido? Como seria possível organizar tudo isso em um formato que possibilite novas aprendizagens a partir de tantos conteúdos produzidos?

E os problemas não param aí. Apesar da incrível ferramenta Google de busca de dados se basear em critérios de ranqueamento e uso de algoritmos complexos para se determinar qual conteúdo é mais relevante para os seus usuários, o conhecimento escolar precisa de uma curadoria, que realize uma espécie de chancela de qualidade conceitual daquilo que se propaga como saberes relevantes. Numa era de pós-verdades, pessoas bem intencionadas que produzem seus vídeos e explicam conceitos complexos com metáforas frágeis e por vezes distorcidas, além das narrativas que relativizam a ciência, a escola mudou seu papel: deixou de ser fonte de acesso à informação para se tornar referência de interlocução qualificada aos conhecimentos. É como se o buscador Google fizesse uma pescaria de conhecimentos, mas deixasse escapar aqueles que não se promoveram com a referenciação adequada ou se a multidão de curtidas elegesse um conteúdo como bom, embora esse ainda apresentasse fragilidades conceituais. Como a escola irá se posicionar? Deixará que seus professores se dediquem horas em desconstruir saberes que se elaboraram com equívocos conceituais – o que exige esforço e persuasão – para então construírem, na interação com os estudantes, a compreensão crítica mais adequada ou favorecerá o acesso de alguns “baús de conhecimentos com curadoria”, como se fossem metaforicamente primeiro ensinar a nadar numa piscina, como um ambiente menos turbulento e instável, do que no mar aberto às grandes navegações?

A escola, em todo esse cenário, está em prejuízos exponenciais:

1) A escola perde o investimento de um ano, na remuneração de professores à produção de planejamentos, pesquisas e curadoria de referencias e conteúdos digitais, não garantindo que esse aporte financeiro seja reaproveitado em anos posteriores;

2) Os estudantes exploram fontes de pesquisa de qualificação questionável, dedicando o tempo de estudo em alguns materiais de baixa qualidade conceitual;

3) O saber é apropriado de forma descontextualizada, fragmentada, de acordo com o enfoque às pesquisas;

4) Há novo esforço e remuneração aos professores para ajustes de aprendizagens realizadas com problemas conceituais que exigem tempo de trabalho docente na ressignificação dos novos conhecimentos;


5) Ainda que haja um crescente de autonomia dos estudantes, para elaborarem critérios de reconhecimento às boas fontes, ainda é preponderante a escolha das primeiras páginas de resultados dos buscadores e isso leva tempo para aprender;


6) O estudante acaba por realizar as tarefas com uma ou poucas fontes indicadas pelos professores, em links que são digitados em um documento, e que talvez nunca mais seja reutilizado.

7) Esses saberes não são relacionados ao currículo – seja a referência nacional BNCC, seja regional, seja da escola.

Produzir toda essa organização de conhecimentos e propostas com vigência apenas para um período letivo se parece, um pouco, com o trabalho interminável de Sísifo, da mitologia grega, que foi condenado, por toda a eternidade, a rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha e, quando estava quase alcançando o topo, a pedra rolava ladeira abaixo até o ponto de partida, invalidando completamente o esforço despendido. E isso se repetia todos os dias...

A organização de um repositório digital, como referência qualificada e reaproveitável dos recursos educacionais selecionados pelos professores poderá a ser uma importante ferramenta nessa nova etapa da educação que se faz híbrida, apoiando-se em muita tecnologia educacional, para além das ricas e empáticas interações presenciais.

Lilian NevesComentário